terça-feira, 25 de setembro de 2007

Ainda a favor da dignidade

Artigo publico no Jornal de Debates em 25/09/07
http://www.jornaldedebates.ig.com.br/index.aspx?cnt_id=15&art_id=10910

Tema: Por que a polícia está tão desacreditada?

"Antes de existir um culpado existe o livre-arbítrio. Existe a boa índole, a autoridade de pai e de mãe. Ser desonesto não justifica o descaso do governo".


Contarei a vocês um breve resumo da historia de uma família desafortunada. Minha mãe, Célia, é a terceira filha de 10 de um casal que veio do nordeste. Meu avô, já um renegado pela mãe juntou com minha avó, filha de militar da Marinha, mas posta pra fora de casa pela madrasta. Chegaram a São Paulo com minha mãe, de 2 meses e nenhum lugar para morar. Com o arrimo da piedade dos outros foram viver de favor. Minha avó era empregada doméstica enquanto meus tios de 10 e 7 anos vendiam bala na rua. Depois, chegaram mais 7 filhos. Todos feirantes, engraxates, entregadores de jornal e babás. Foram crescendo, despejados devido a aluguéis atrasados, foram humilhados pela soberba paulistana. Tomavam banho embaixo de uma lata de leite ninho toda furada, usavam sabão em pedra para lavar os cabelos. Um tinha que esperar o outro chegar da escola para que pudesse calçar o tênis e entrar no turno da tarde. Quando não tinha comida para o jantar, minha avó dizia: "Dorme que a fome passa". E eles dormiam. E acordavam muito cedo, repetiam a mesma rotina triste, com revolta, não pediram para nascer, queriam ser crianças e não adultos em pleno 12, 13 anos. Queriam ter um tênis para cada, queriam comer frango no almoço, queriam se arrumar para as festas da escola, mas não tinham, não podiam. E, no pensamento deles, lutar por uma vida mais digna era tudo o que eles podiam fazer.
O tempo inevitavelmente passou e meus avós puderam ver todo o esforço assegurar, ao menos, a integridade de cada um. Atualmente os filhos moradores de cortiço têm uma profissão, sem ensino superior, mas se dedicam aos seus trabalhos sustentando de forma satisfatória as suas famílias. São pessoas inteligentes, politizadas, críticas. Querem dar o de melhor para os filhos. A família já conta com frutos brilhantes, pós-graduados, concursados federais. A pergunta óbvia é: E se meus tios tivessem virado bandidos? E se minha mãe virasse marginal, protituta?
Certamente a resposta nós encontramos em milhares de famílias brasileiras. Gente que não teve oportunidade, como meu avô, minha avó. Gente que pôs uma dezena de filhos no mundo sem ter condições, como meu avô e minha avó. O que eu quero dizer com isso tudo? A família dos meus avós tinha todas as características sociais para se tornar uma família de bandidos, de desonestos por causa da pobreza que os assolavam. Por falta de assistência do governo, de salários dignos e até mesmo oportunidade de emprego. Não havia bolsas-auxílios, não havia ECA, mas mesmo assim eles fizeram uma escolha. Até hoje são honestos, batalham duro, contraem dívidas para ter um mínimo de conforto, mas foram ensinados assim, dignidade moral acima de tudo. Não importa o que houver.
Sou defensora convicta de uma vida mais digna aos desassistidos, acredito piamente que grande parte da culpa de toda a desgraça social é do governo, no entanto, antes de existir um culpado existe o livre-arbítrio. Existe a boa índole, a autoridade de pai e de mãe. Ser desonesto não justifica o descaso do governo. Um erro não justifica o outro, não subtrai a responsabilidade. Se o soldado acha que nada conseguirá fazer para limpar a mancha vergonhosa na polícia brasileira, não justifica ele entrar para a máfia, para os grupos de extermínio. Toda profissão no Brasil, hoje em dia, é mal paga. A classe média vive uma constante desvalorização dos bens, das prestações de serviços. Portanto, seguindo por essa lógica, todos tem motivos para roubar, para extorquir.
A polícia brasileira envergonha e é muito doloroso dizer isso. É revoltante saber que você paga para matar seu vizinho ou filho da sua empregada. Não dá para entender porque a polícia dá exemplo aos bandidos e é repugnante ver a população defender assassinos que compram remédios para a comunidade.